Quem chega a uma loja da rede de supermercados Whole Foods pela primeira vez fica com a impressão inicial de entrar em uma loja descolada porém bem cuidada. Andando pelos corredores, a impressão inicial se expande ao observar que você não conhece nenhum dos produtos ali expostos, mas a surpresa é positiva pois eles brindam seus sentidos: Produtos de limpeza em embalagens que mais parecem de perfumes, sucos em combinações exóticas, bolachinhas com pedaços generosos de amêndoas, frutas de cenas de filmes, sushis com arroz integral.

Porém o Whole Foods não brinca apenas com os sentidos, mas também expande a compreensão do papel do empreendedorismo e da inovação.

Em 1978, John Mackey tinha 25 anos, era vegetariano e estudava filosofia na Universidade do Texas. O que faz um estudante de filosofia a não ser pensar? Entre um pensamento e outro, ele chegou a conclusão de que várias empresas eram hipócritas ao defender alguns valores para depois se contradizer na execução. Sua maior birra era com uma rede de supermercado chamada Safeway que dizia que vendia alimentos saudáveis. Provocado com o argumento de que só pensava e não fazia nada, pediu dinheiro emprestado da família e junto com a namorada abriu um empório de alimentos naturais com o sugestivo nome de Saferway. Os dois anos iniciais foram muito difíceis. O casal morava na parte de cima da loja e não havia chuveiro. Para complicar, as vendas nunca decolaram e a empresa quase fechou.

Dois anos depois, John e Renee fizeram parceria com Craig Weller e Mark Skiles para unir a SaferWay com a Clarksville Natural Grocery, resultando na abertura do Whole Foods Market original em 20 de setembro de 1980. Com 975,48 metros quadrados e uma equipe de 19 pessoas, a loja era bastante grande em comparação com as lojas padrões de alimentos saudáveis da época.

Menos de um ano depois, no Memorial Day em 1981, a pior inundação em 70 anos devastou a cidade de Austin. O estoque da loja foi destruído nas águas da inundação e a maioria dos equipamentos foi danificada.

As perdas foram de aproximadamente US$ 400.000 e o Whole Foods Market não tinha seguro. Clientes e vizinhos voluntariamente se juntaram à equipe para reparar e limpar os prejuízos. Os credores, os vendedores e os investidores permitiram que a loja voltasse a levantar e fosse reaberta apenas 28 dias após a inundação.

EXPANSÃO

Apesar da catástrofe, três anos depois a rede inaugurou outra loja na cidade de Houston, sendo a primeira fora dos domínios de Austin, seguida por uma unidade em Dallas. No final desta década, a rede ingressou nos estados da Louisiana (Nova Orleans) e Califórnia (Palo Alto). A WHOLE FOODS MARKET cresceu rapidamente nos anos seguintes através de fusões e aquisições de outras redes e lojas menores, inaugurando novas unidades em várias cidades, como por exemplo, Los Angeles, Detroit e Boston.

A centésima loja da rede foi inaugurada em 1999 na cidade de Torrance, localizada na Califórnia. Para consolidar o sucesso de uma vez por todas a rede inaugurou seu primeiro supermercado em plena Manhattan no ano de 2001, atraindo a atenção da mídia e de grandes investidores. Nesta época, o posicionamento diferenciado como um varejista de altíssima qualidade em produtos orgânicos e comidas gourmet fez surgir uma legião de clientes fiéis, muito deles famosos, dando assim a WHOLE FOODS MARKET uma enorme visibilidade. No ano seguinte inaugurou sua primeira loja fora dos Estados Unidos na cidade de Toronto no Canadá.

Poucos anos depois, a WHOLE FOODS MARKET atravessou o Oceano Atlântico e comprou cinco lojas da rede Fresh & Wild em Londres no ano de 2004, iniciando assim sua entrada no continente europeu. Somente três anos mais tarde, em junho de 2007, inaugurou uma enorme loja própria (com três andares) na capital britânica com 7.400m² em High Street Kensington. A gigantesca loja âncora oferece uma variedade de produtos de pequenos produtores, tudo bem natural. Além disso, também é possível comprar pães frescos, coisa difícil de encontrar em Londres, frutos do mar, até produtos cosméticos, tudo a base de produtos naturais. No dia 16 de novembro de 2011 a rede inaugurou sua primeira unidade na Escócia, localizada em Giffnock, um subúrbio de Glasgow.

O CONCEITO NATURAL

A empresa somente vende em suas lojas produtos naturais, que ela própria define como: alimentos minimamente processados, livres de gorduras hidrogenadas, corantes, adoçantes, conservantes e sabores artificiais. A WHOLE FOODS MARKET também não vende nenhum tipo de carne e leite proveniente de animais clonados ou criados com métodos que usem estímulos químicos, além de não comercializar o patê de fígado de ganso em virtude do método cruel de fabricação. Muitos produtos vendidos em suas lojas possuem certificados que atestam a produção sem agredir o meio-ambiente. A empresa também prioriza a compra de fornecedores locais, não coloca em suas gôndolas alimentos que contenham algum dos 100 ingredientes que ela considera nocivos à saúde humana ou ao meio-ambiente e gerencia uma fundação que luta para que os animais sejam criados e abatidos de maneira digna, entre outras iniciativas.

Tudo isso em total alinhamento como o lema da empresa: “Whole Foods, Whole People, Whole Planet” (“Comida Sã, Pessoas Sãs, Planeta São”), alcançando a missão de encontrar sucesso na satisfação e bem estar do cliente, felicidade e excelência do funcionário, realçar os valores do acionista, apoiar a comunidade e melhorar o meio-ambiente. Recentemente a rede lançou o programa The Kids Foods Adventure em parceria com o chef Jehangir Mehta. A ideia é encorajar pais e crianças a se aventurarem na alimentação saudável.

A POLÍTICA DO WHOLE FOODS

Desde o dia da inundação da loja Whole Foods no Texas, onde a ajuda da comunidade fez com que a loja fosse reaberta apenas 28 dias depois, a missão da empresa viria a ser a de servir, de fato, seus clientes, vizinhos, colaboradores, credores, vendedores e acionistas.

Entre as várias políticas da empresa, há a de não comprar alimentos que tenham ingredientes artificiais. Isto afasta todas as grandes empresas de alimentos que conhecemos. A empresa também se propunha a comprar de fornecedores locais desde que estes se comprometessem a produzir os alimentos mais naturais ou orgânicos possível. Em troca, a Whole Foods ajuda na melhoria do processo produtivo, logística e até no desenvolvimento das lindas embalagens que são vistas na loja.

O CAPITALISMO CONSCIENTE DE MACKEY

Mais recentemente, John Mackey recuperou seu lado filósofo e criou um conceito que chamou de Capitalismo Consciente, que defende o que a Whole Foods faz na prática. Mais do que sugerir melhores práticas, o Capitalismo Consciente prega um pensamento mais profundo a respeito do capitalismo e seus impactos, onde as empresas devem se guiar por um propósito maior do que o de lucrar e remunerar investidores.

“Pensar é um das atividades mais difíceis, por isso, há tão poucas pessoas que se dediquem a isso” – disse certa vez Henry Ford. E isso também se aplica aos empreendedores. Todos com certeza partem para a ação, caso contrário não seriam empreendedores. Mas são poucos os que param para pensar rotineiramente.

Porém, para provar que o tal Capitalismo Consciente é viá­vel, quando dá entrevistas Mackey precisa falar sobre o modus operandi do Whole Foods. Afinal, são poucos os negócios que exemplificam de maneira tão clara os ideais que ele defende. Na empresa, por exemplo, a disparidade de salários entre a cúpula e os funcionários de nível operacional não ultrapassa 20 vezes, ante a média americana de 200.

Em entrevista a revista EXAME, o CEO do Whole Foods responde perguntas sobre o capitalismo consciente e como funciona a operação da empresa:

EXAME – Quais são os princípios do chamado Capitalismo Consciente?

John Mackey – O primeiro princípio é que todo negócio deve ser guiado por um propósito maior do que o de fazer dinheiro. O Whole Foods é movido pelo desejo de ajudar as pessoas a ser mais saudáveis. O segundo princípio é que você precisa criar valor para todos os públicos com os quais se relaciona.

Reina no mundo dos negócios o raciocínio de que se alguém está se dando bem, como seus funcionários, alguém está se dando muito mal, provavelmente os fornecedores ou os acionistas.

Trata-se de uma lógica equivocada. Nossa experiência mostra que fornecedores e funcionários satisfeitos prestam um serviço melhor, e isso deixa os clientes felizes. E clientes felizes são a melhor publicidade para um negócio — e isso beneficia os acionistas.

EXAME – O movimento do Capitalismo Consciente pode ser bem-sucedido?

John Mackey – O Capitalismo Consciente tem se alastrado. Não exatamente com esse nome, mas os valores que pregamos têm se espalhado porque eles dão resultado. E, nos negócios, tudo o que dá resultado se espalha muito rapidamente.

Se não fosse bom para uma empresa ter um propósito maior do que o de ganhar dinheiro ou se preocupar com todos os seus stakeholders, nós não teríamos crescido tanto. Mas admito que não se trata de uma fórmula simples. Nas empresas há sempre uma luta entre os “puristas” e os “pragmáticos”.

Os puristas nunca buscam atalhos, nunca se comprometem. E, quando falo de atalhos, não me refiro a ações antiéticas ou ilegais. Já os pragmáticos buscam maneiras de suprir as demandas do mercado de forma legítima.

EXAME – Em algum momento o senhor se sentiu tentado a tomar esses atalhos?

John Mackey – Claro. Sou vegano (não come nenhum produto de origem animal) e sei que meus amigos veganos acham que eu sou um hipócrita por vender carne de origem animal no Whole Foods. Mas apenas 0,5% da população americana é vegana.

E o que eu faço com o resto? As empresas precisam dos puristas mas também dos pragmáticos para lidar com o que as pessoas querem. Sou idealista, mas realista. Um líder deve ter inteligência emocional e espiritual. Capacidade de ter empatia pelos outros. Um executivo pode ser brilhante, mas, se for um idiota com as pessoas, não trabalhará conosco.

EXAME – No Whole Foods, uma pessoa é submetida a um período de testes de até 90 dias e só é contratada se passar pelo crivo de dois terços da equipe com quem ela vai trabalhar. O que está por trás dessa prática?

John Mackey – Acreditamos que cada equipe é única e que é muito importante que seus membros tenham voz na contratação de um novo integrante. O desempenho do time depende da cooperação de todos. E pode-se enganar o chefe, mas ninguém engana os colegas por muito tempo.

Uma equipe dedicada e unida não vai querer um preguiçoso no grupo. Nenhuma equipe é tão forte até rejeitar alguém, porque esse passo fortalece a identidade do time.

EXAME – O Whole Foods é conhecido por não vender centenas de produtos. Como a rede define o que vende?

John Mackey – Temos um grupo de especialistas que analisam a qualidade dos produtos que vendemos. O trabalho deles é fazer recomendações. Nós não boicotamos marcas como Coca-Cola. Mas temos uma lista de ingredientes que não podem ser vendidos e, se um produto tem algum desses ingredientes, ele não estará em nossas gôndolas.

Vendemos refrigerantes, mas eles não contêm aspartame, corantes e outros produtos químicos que julgamos prejudiciais. Não somos os donos da verdade, mas tomamos a decisão de não vender o que acreditamos não ser bom.

EXAME – Vocês foram apelidados de whole paycheck, ou “contracheque inteiro”, porque sempre foram careiros. Recentemente, a rede tem promovido campanhas agressivas de descontos. Por que isso agora?

John Mackey – Sempre demos dicas para que nossos clientes economizassem e sempre tivemos promoções, mas isso nunca foi muito explorado pela mídia. Recentemente, porém, temos adotado essa estratégia de maneira bem mais agressiva, e não há como não falar sobre ela.

E é claro que estamos fazendo isso, entre outros motivos, porque queremos ganhar mercado e estamos sendo pressionados pelos concorrentes. A propósito, estamos lançando pela primeira vez nos Estados Unidos uma campanha nacional que será veiculada na TV.

EXAME – O Whole Foods tem 34 anos. Por que essa campanha só agora?

John Mackey – Por muito tempo fomos uma empresa pequena, e tudo o que fazíamos chamava a atenção. Mas o Whole Foods se transformou numa empresa grande, e há muita rejeição em relação às grandes corporações nos Estados Unidos. As pessoas acreditam que elas são malignas. E a verdade é que a mídia está nos atacando. Então decidimos fazer uma campanha nacional para defender nossa marca.

EXAME – O Whole Foods tem aberto lojas no interior dos Estados Unidos e em cidades decadentes como Detroit. Essa estratégia está funcionando?

John Mackey – Todo mundo dizia que não teríamos sucesso em Detroit porque as pessoas não teriam renda e não estariam interessadas em comprar comida de qualidade e saudável.

Decidimos abrir a loja porque acreditamos que, independentemente da classe social ou da cultura, as pessoas querem criar seus filhos de forma saudável. A loja de Detroit foi inaugurada em maio de 2013 e tem vendido o dobro do que planejávamos.

EXAME – O senhor se preocupa com o que pode acontecer com o Whole Foods quando não estiver mais lá?

John Mackey – As companhias saudáveis fazem a sucessão com executivos que tenham um histórico sólido na companhia e que amem seus valores. A outra opção é recrutar no mercado alguém com uma mentalidade financeira. Muitas empresas fazem isso. E esses executivos trazem resultados no curto prazo porque cortam custos.

No longo prazo, porém, essa estratégia mina o que torna a empresa única em relação aos concorrentes. Recentemente, numa rede de varejo familiar americana chamada Market Basket aconteceu algo interessante. Uma parte da família assumiu o controle e destituiu o presidente, que era admirado pelos funcionários.

Os empregados fizeram uma greve e ele voltou ao comando. Gasto boa parte de meu tempo me dedicando a fortalecer a cultura do Whole Foods. Se ela for forte, não adianta o conselho de administração colocar no comando alguém que vá contra as ideias que sempre defendemos porque ele não conseguirá ficar na companhia por muito tempo.

EXAME – Em 2000, o senhor quase foi demitido pelo conselho do Whole Foods. Como é esse relacionamento hoje?

John Mackey – Criei um negócio sozinho e contratei um conselho. Mas durante muitos anos não pensei — e sei que isso vai soar ridículo — que o conselho poderia me demitir. Afinal, contratei esses caras, certo? Mas, em uma empresa aberta, se você não está entregando os resultados financeiros desejados, o conselho vai ficar na sua cola.

Felizmente, recebi uma dica de que o presidente e parte do grupo orquestravam minha saída e consegui resolver a tempo a questão. Isso aconteceu há 14 anos, mas hoje entendo que os executivos se reportam, sim, ao conselho.

EXAME – Os investidores do Whole Foods acreditam no Capitalismo Consciente?

John Mackey – Você não pode impedir ninguém de comprar suas ações se sua empresa está listada na bolsa. O que você pode fazer é ser muito claro em relação à maneira como conduz o negócio e conquistar os acionistas que merece. Sempre dizemos ao mercado que não gerimos o Whole Foods por trimestres.

Tomamos decisões hoje que só serão recompensadas lá na frente. Os investidores que gostam desse discurso manterão nossas ações por mais tempo. Os bons investidores estão por aí e, se você é transparente e claro, eles aparecem.

EXAME – E quando haverá uma loja do Whole Foods no Brasil?

John Mackey – O Brasil é um dos maiores países do mundo e poderia abrigar nossas lojas. Mas não é fácil para o Whole Foods se internacionalizar. Nossas lojas têm cerca de 30 000 itens, e não posso trazer minha extensa rede de fornecedores para cá porque isso não faria nenhum sentido.

Até porque valorizamos a produção local dos alimentos. Precisaríamos desenvolver fornecedores aqui, e isso leva tempo. De forma pragmática, hoje o México faria muito mais sentido para nós. Nossa matriz é em Austin, no Texas, próximo à fronteira.

Temos muitos mexicanos como funcionários e compramos muitos produtos frescos do país. Mas ainda não temos planos de ir para o México. Espero que o Whole Foods esteja no Brasil um dia.

 

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